segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A FABRICAÇÃO DA LOUCURA – 1971

“O conceito de doença mental é análogo ao de feitiçaria. No século XV, os homens acreditavam que algumas pessoas eram feiticeiras, e que alguns atos eram devidos à feitiçaria. No século XX, os homens acreditam que algumas pessoas são insanas, e que alguns atos são devidos à doença mental.” (SZASZ, 1976: 19)

Os homens que acreditavam na feitiçaria criavam feiticeiras ao atribuir esse papel a outros, e às vezes a si mesmos. Dessa maneira, literalmente fabricavam feiticeiras cuja existência, como objetos sociais, provava a realidade da feitiçaria.” (SZASZ, 1976: 20)

“Um cidadão bem nascido de Spires tinha uma mulher de disposição tão teimosa que, embora tentasse agradá-la de todas as formas, recusava-se de todos os modos a atender aos seus desejos, e estava sempre atormentando-o com insultos injuriosos. Aconteceu que, ao voltar um dia para casa, como sua mulher se voltasse contra ele com palavras injuriosas, ele desejou ir embora, a fim de fugir de discussão. Mas a mulher correu rapidamente à sua frente, e fechou a porta pela qual o marido desejava sair; aos gritos, disse-lhe que, se não batesse nela, isso indicaria que ele não era honesto nem fiel. Diante dessas palavras pesadas, o marido estendeu a mão, sem a intenção de feri-la, e bateu de leve, com a mão aberta, no traseiro da mulher. Imediatamente depois disso, o marido caiu ao chão, e perdeu os sentidos, ficando na cama vários dias, com doença grave. Ora, é evidente que essa doença não era natural, mas causada por alguma feitiçaria da mulher. E muitos casos semelhantes já ocorreram, conhecidos por muitas pessoas.” (Sprenger e Krämer apud SZASZ, 1976: 37)

Para o psiquiatra fanático, todos os homens são loucos, assim como para o teólogo fanático todos os homens são pecadores” (SZASZ, 1976: 68)

“A verdade. Não; por sua natureza, o homem tem mais medo da verdade do que da morte – e isso é perfeitamente natural: afinal, a verdade, para o ser natural do homem, é ainda mais repugnante do que a morte. Se assim é, por que devemos nos admirar de que tenha tanto medo dela? (...) Afinal, o homem é um animal social – apenas no rebanho pode sentir-se feliz. Para ele, é indiferente estar diante do mais profundo senso comum ou da maior vileza – sente-se inteiramente à vontade com essa afirmação, desde que seja a opinião do rebanho, ou a ação do rebanho, e possa juntar-se ao rebanho.” (Sören Kierkegaard apud SZASZ, 1976: 87) Epígrafe

“Todo grupo – e isso inclui as sociedades – é organizado e conservado por algumas idéias, práticas e valores que não podem ser discutidos ou desafiados sem provocar sua perturbação, ou, pelo menos, o medo de perturbação. (...) Portanto, ver o mundo de forma diferente pode nos ameaçar com a solidão; dizer que o vemos de forma diferente nos ameaça com ostracismo. Portanto, a hipocrisia é a homenagem que o intelecto paga aos costumes.” (SZASZ, 1976: 88)

“As pessoas de bem dão nomes às coisas, e estas conservam tais nomes (...) [O bode expiatório] está do lado dos objetos que recebem nomes, não daqueles que o dão.” (Jean-Paul Sartre apud SZASZ, 1976:126) Epígrafe

“Ficou muito fácil ver que os homens infelizes do passado viviam de acordo com crenças erradas e até absurdas; assim, podemos não ter um respeito adequado por eles, e esquecer que os historiadores do futuro indicarão que também nós vivemos de acordo com mitos.” (Herbert J. Muller apud SZASZ, 1976:143) Epígrafe

“A doutrina de que a doença mental é uma doença está muito firmemente estabelecida pela ciência para que possa ser considerada falsa. O prestígio e a tradição da profissão médica ficam como obstáculos para a rápida correção desse erro monumental.” (SZASZ, 1976: 150)

“A grande maioria dos livros sobre história da Psiquiatria sofre as mesmas deformações que as histórias da escravidão escritas antes da Guerra Civil por homens favoráveis à manutenção dos escravos. Os manuais padrões sobre a história da Psiquiatria são descrições das glórias da Psiquiatria Institucional. Ainda não se escreveu uma história da Psiquiatria do ponto de vista do “paciente”.” (SZASZ [nota de rodapé], 1976:158)

“As ideologias apresentadas em vocabulário terapêutico ou de salvação são muito resistentes à crítica. Tais sistemas de crença não apenas impõe obediência à verdade, tal como é revelada a sacerdotes ou médicos, mas também definem o ceticismo como heresia ou loucura. Portanto, a significação real da retórica terapêutica está em seu poder para desarmar a vítima e o crítico. Afinal, numa sociedade cristã quem é que pode opor-se a Deus? Apenas um herético. E numa sociedade científica, quem é que pode opor-se à saúde mental? Apenas um louco.” (SZASZ, 1976: 164-165)

“Benjamin Rush afirmava que os negros tinham pele negra porque eram doentes: admitia que sua doença devia ser usada como justificativa para seu controle social. O seguidor contemporâneo de Rush afirma que os homens cuja conduta sexual condena são doentes: usa sua doença como justificativa para seu controle social.” (SZASZ, 1976: 203)

“Fingindo tratar uma doença semelhante a sarampo durante seu período de incubação a fim de tratá-la melhor, o psiquiatra na realidade impõe rótulos pseudomédicos aos bodes expiatórios da sociedade, a fim de melhor prejudicá-los, rejeitá-los e destruí-los.” (SZASZ, 1976: 207)

Segundo o Psiquiatra Irving Bieber: “A incapacidade para casar, em qualquer dos sexos, é conseqüência de medo do casamento. Existe um crescente reconhecimento de que o celibato é sintoma de psicopatologia ...” (Time, 15 de set., 1967 p. 27) Nota de rodapé apud SZASZ, 1976: 209)

“Na primeira metade do século XIX, a masturbação gradualmente se torna definida como um problema psiquiátrico.” (SZASZ, 1976: 218)

Em 1816 o psiquiatra Esquirol afirma: “A masturbação é reconhecida em todos os países como causa comum de insanidade” (apud SZASZ,1976: 219)

Em 1822 Esquirol afirma: “O onanismo é um sintoma grave na mania; se não for impedido imediatamente, é um obstáculo insuperável à cura. Ao reduzir as capacidades de resistência, reduz o paciente a um estado de estupidez, à tísica, ao marasmo e à morte.”  (apud SZASZ, 1976: 219)

“(...) o opressor invariavelmente se vale da força e da fraude para dominar e explorar seu antagonista; frequentemente cria uma retórica terapêutica, justificando seu domínio por afirmações de altruísmo e um desejo de ajudar a vítima; a crítica à prática opressiva fica impossível por causa da perseguição do crítico como um traidor da ordem social existente; finalmente, a ideologia da coerção útil é institucionalizada, estabilizando e perpetuando as práticas persecutórias por longos períodos de tempo.” (SZASZ, 1976: 238)

“Nunca é apenas o homem que comete um delito contra seu semelhante. Alguém ou alguma coisa – o demônio, a masturbação, a doença mental – sempre intervêm, para obscurecer, desculpar e atenuar a desumanidade do homem com relação ao homem.” (SZASZ, 1976: 240)

“A nossa sociedade secular teme a homossexualidade da mesma forma e com a mesma intensidade com que as sociedades teológicas de nossos antepassados temiam a heresia. A qualidade e a extensão dessa aversão são reveladas pelo fato de que a homossexualidade é considerada um crime e uma doença.” (SZASZ, 1976: 279) (grifos do autor)

Em qualquer exame de pessoa inferior por uma autoridade superior, devemos supor que a primeira possa modelar suas respostas de acordo com as expectativas do segundo; em resumo, que possa mentir”. (SZASZ, 1976: 287)

“O judeu está livre para fazer o mal, mas não o bem; tem apenas livre-arbítrio necessário para assumir responsabilidade integral pelos crimes que praticou; não livre-arbítrio para conseguir a reforma.” (SATRE apud SZASZ, 1976: 308) (grifos do original)

“Para o grupo, é mais fácil proteger-se da acusação de que transforma em vítimas alguns dos seus membros do que o indivíduo proteger-se da acusação de que ofende a comunidade.” (SZASZ, 1976: 317)

“A violência potencial de alguns evidentemente não justifica a violência efetiva de muitos.” (SZASZ, 1976: 317)


“Geralmente, retiramos o sentido que os outros dão às suas vidas, validando nossa humanidade ao invalidar a deles.” (SZASZ, 1976: 325) 

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